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19 de Abril de 2024
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    A presença do agressor na audiência do Art. 16 da Lei Maria da Penha é obrigatória

    Publicado por Enviadas Por Leitores
    há 14 anos
    *Por Carlos Eduardo Rios do Amaral

    A resposta precisa a respeito da necessidade ou não da presença do agressor na Audiência do Art. 16 da Lei n. 11.340/2006 – Lei Maria da Penha, passa necessariamente por dois questionamentos, quais sejam: debruça-se o moderno arcabouço traçado por este novel Diploma da Mulher fundamentalmente acerca da fúria punitiva estatal criminal? Seria desimportante o atendimento aos elevados anseios da mulher e de seu contexto sócio-familiar?

    A todos que militam diariamente e com exclusividade nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar, nos quatro cantos deste País de dimensão continental, uma constatação é inequívoca e não sofre qualquer esbulho filosófico-jurídico: nenhuma mulher deseja uma sanção criminal para o parente ou companheiro agressor, desejam, sim e em verdade, a paz, a paz familiar, e, ainda, que os seus amados algozes sejam tratados, submetidos a um acompanhamento psicossocial curativo, levado a efeito pela Equipe de Atendimento Multidisciplinar.

    A própria Lei Maria da Penha adverte a Juízes de Direito, Promotores de Justiça e Defensores Públicos que estes personagens coadjuvantes do processo não pisam somente em árido e infértil solo repressivo-penal, mas, sim, em solo misto, híbrido, também de natureza apaziguadora cível. Digo protagonistas, com relação aqueles tradicionais sacerdotes dos Fóruns e Tribunais, por uma única razão, é que nos feitos que tramitam nos Juizados da Mulher, agora, temos apenas um protagonista, aliás, uma protagonista, a mulher vítima de violência doméstica e familiar, a mulher esgotada.

    A Lei 11.340/2006 sagrou-se como o primeiro Diploma brasileiro a trazer à tona para nosso ordenamento processual penal a questão da vitimologia, fazendo-nos despedir sem nenhuma saudade daquele velho e ultrapassado arquétipo getulista do ainda vigente e vetusto Código de Ritos de 1941.

    Que fique claro e induvidoso ao leitor leigo à praxe forense aqui. A lavratura de um Boletim de Ocorrência numa Delegacia de Polícia mais próxima representa para a mulher ofendida um ato de desespero, da insuportabilidade ainda remediável da vida em comum. Não há, naquela ocasião, outro refúgio. Tomado muitas vezes pela cachaça, pelo crack, pela dor da frustração da vida e de tudo, naquele momento, sabe bem a mulher que seu companheiro ou filho representa um colosso invencível, mas que deve ser contido, nem que seja pela força policial, afinal, a convocação de outros parentes mais próximos para auxiliá-la poderá ocasionar desastre ainda maior.

    Levado a efeito o flagrante, sabemos bem, nós militantes deste sofrido e triste Juizado Especial da Família, é a mulher que pagará a fiança arbitrada pela Autoridade Policial, à custa de alguma dezena de faxinas ou horas-extras no expediente de trabalho – há outros tristes bicos... – , e, acaso mantido o flagrante sem relaxamento, seja pelo não recolhimento do valor fixado a título de fiança, seja por outro motivo cautelar, a primeira pessoa a bater às portas sempre abertas do Defensor Público do Juizado é, sem nenhuma surpresa, a própria ofendida.

    Indagadas pelo Defensor Público, as respostas destas infelizes e pobres vítimas são uníssonas, no sentido de que quando livres do álcool ou do crack seus companheiros são homens trabalhadores e bons pais, queridos na comunidade, mas, quando possuídos pela dependência tornam-se monstros irreconhecíveis. E suplicam para que seus agressores sejam tratados, desintoxicados. Não desejam essas mulheres esgotadas a prisão do amado doente ou em estado de fúria aparentemente interminável, desejam a cura, o tratamento, a submissão deste a corpo médico ou psicossoacial especializado, ou mesmo que apenas entendam que “a fila anda”.

    Daí que, a designação da Audiência do Art. 16 da Lei Maria da Penha sem a presença do agressor, para ouvir sua história, sua vida, representa verdadeira mutilação deste Diploma Salvífico da Família. Ora, a Lei n. 11.340/2006 não é legislação de viúvas, ou de mães argentinas da praça de maio.

    A mulher ofendida não quer ser indagada se deseja representar em desfavor de seu marido, ex-companheiro ou filho. A mulher ofendida sabe que a profilaxia para o seu sofrimento não passa pelo lançamento do homem ao cárcere. Se a cadeia fosse a única alternativa, o único remédio à disposição dessas vítimas, sem nenhuma dúvida, ninguém ia mais à Delegacia, essas mulheres prefeririam sofrer em silencio, como fazem muitas, que ainda desconhecem o milagre e poder de transformação que pode fazer operar a Lei Maria da Penha, com suas disposições de inegável conteúdo harmonizador da convivência familiar.

    Tudo pode e deve ser confessado nessa Audiência do Art. 16, se outra for a opção, que seja realizada a reunião de todos na Audiência Cautelar da Medida Protetiva de Urgência. Mas, que seja realizada. Claro, é prudente que primeiro ouçamos a mulher a sós, para que desabafe sincera e espontaneamente, e, só após, que se franqueie a entrada do agressor, para que também diga de seus sentimentos.

    Ciúmes, más companhias, pensão alimentícia, drogas, álcool, adultério, mágoa, homossexualismo, desinteresse, prodigalidade, descuido ou falta de atenção aos filhos, questão dos sogros ou cunhados, o problema dos puxadinhos (vários parentes morando num mesmo lote, porém separados por paredes ou pavimentos), partilha de bens, entre tantas outras causas da violência doméstica e familiar podem e devem ser esclarecidas e descortinadas pelo Juizado de Violência da Mulher. A própria ofendida não se ilude, sabe bem que a imposição de pena criminal nada tem a ver com sua dor.

    Ao revés, a despreocupação com a ofendida, e o único desejo de prosseguimento de infrutífera ação penal, só traz um resultado: a reincidência, a reiteração criminosa, e ainda em maior escala e fúria. Porque pena criminal não trata, pena criminal não ensina, nem reeduca. Perdida a oportunidade do estudo social, que poderia ter sido levado a efeito pela Equipe de Atendimento Multidisciplinar, olvidada a audiência com o casal ou ex-casal, silentes Juízes, Promotores e Defensores Públicos a respeito de tudo que poderia ser ministrado para equacionamento do entrevero familiar, só resta à ofendida a ajuda divina.

    É sabido que a vocação dos Juizados da Mulher é para o desiderato de paz, de busca da felicidade, para o debate familiar. O Direito Penal é o último auxílio. Por dia deve ser realizadas uma dezena ou mais de Audiências do Art. 16, com esse sagrado e sublime escopo social, deixando de lado imprestáveis códigos e manuais. Não comportam esses assoberbados Juizados da Mulher, é fato, espaço para uma única instrução por dia ou duas, para se ouvirem testemunhas e condutores, para que sejam ditadas longas alegações finais, prolação de sentenças sobejamente fundamentadas. O desenvolvimento de ações penais, com toda a sua ortodoxia e sinuosidade, alterando-se, assim, os objetivos maiores da Lei Maria da Penha, para o só atendimento da fúria persecutória, representa a bancarrota desta legislação humanística.

    Pelo menos dez famílias e mulheres, ou mais se possível, devem ser salvas por dia através das Audiências do Art. 16 ou Cautelares das MPU’s com a presença de todos os envolvidos na discussão familiar, que devem ser redesignadas quantas vezes se mostrar necessário, inclusive para sujeitar o companheiro ou filho a um período probatório, de ressurgimento das cinzas, como fator de estímulo para a mudança para melhor. Operada essa intervenção estatal, contando com o auxílio da Equipe Multidisciplinar, nesse espectro social e humanístico, e só assim, a paz poderá retornar à vida da mulher esgotada, a bem da família.


    *Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado Titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Capital/ES



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    11 Comentários

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    por que o numero de denuncias falsas da lei maria da penha vem crescendo?
    por que os homens são tratados como culpados mesmo sem apurar os fatos? continuar lendo

    Boa tarde!
    Dr. eu tenho uma audiência dessa do art 16 daqui alguns dias. Nessa audiência, o advogado do acusado precisa levar alguma defesa prévia, argumentar em algo, ou fica somente de ouvinte da vítima?
    Muito obrigado! continuar lendo

    bom dia , não sei se estou mandando atrasado hoje é 309/18, mas eu vou hoje numa audiência como advogado do acusado, estou levando as questões relativas as perguntas à vitima, e sustentação para o debate (anotação), o procedimento é sumaríssimo , pelo CPP, deveria ser feito a sustentação oral, mas na verdade os juízes mandam o MP juntar memoriais, mas não vá despreparado. continuar lendo

    Não é raro caso de mulheres que usam da lei Maria da Penha para se vingar do ex companheiro, de forma que afirmar essa tese de que nenhuma mulher deseja ação criminal contra o ex companheiro é um grande erro. Muitas usam a lei devidamente, assim como muitas se aproveitam dela para se vingar do ex. continuar lendo

    Essa lei é uma arma incabível na mão de pessoas erradas não tem nada de justo e honesto, nem escultam o "agressor" para tomarem alguma decisão só lavram na maior covardia medidas contra sem saber se quem está denunciando está agindo com boa fé ou não, com isso favorece a alienação parental, sensação de impotência perante a justiça, muita gente está sendo prejudicada, o Brasil da nojo. continuar lendo