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20 de Abril de 2024

A INCONSTITUCIONALIDADE DA PARTE FINAL DO §1º, DO ARTIGO 110, DO CÓDIGO PENAL

Publicado por Enviadas Por Leitores
há 12 anos

A INCONSTITUCIONALIDADE DA PARTE FINAL DO § 1º, DO ARTIGO 110, DO CÓDIGO PENAL. (ALTERADO PELA LEI Nº 12.234, de 05 de maio de 2010)

SUMÁRIO: Introdução. 1. O instituto da prescrição. Prescrição penal. 2. A Constituição Federal e os crimes imprescritíveis. 3. A legislação infraconstitucional. 3.1. Os tipos de prescrição. 3.2. Termo inicial do prazo prescricional. 4. A inconstitucionalidade da regra substantiva penal.Conclusão. Referências.

RESUMO: A Constituição Federal é a regra maior que deve ser seguida. É ela quem diz quais os crimes imprescritíveis, não cabendo ao legislador infraconstitucional aumentar esse rol. A Lei nº 12.234, de 05 de maio de 2010, alterou, substancialmente, o Código Penal, no que se refere à prescrição (em sua modalidade retroativa, entre o recebimento da denúncia e a data do fato delituoso), extirpando essa modalidade de extinção da punibilidade.

E é nesse ponto que traz verdadeira incongruência com a Carta Magna, razão pela qual é inconstitucional, acarretando verdadeira insegurança jurídica àquele que comete um delito.

PALAVRAS-CHAVE: prescrição; Constituição Federal; rol taxativo; inconstitucionalidade.

CONTENTS: Introduction. The institute's prescription. Prescription criminal. 2. The Federal Constitution and the imprescriptible crimes. 3. The constitutional legislation. 3.1. The types of prescription. 3.2. Initial term of the statute of limitations. 4. The constitutionality of the substantive rule of criminal law. Conclusion. References.


ABSTRACT: The Federal Constitution is the major rule that must be followed. It is she who speaks the imprescriptible crimes, not fitting the legislature infra increase this role. Law No. 12234 of May 5, 2010, changed substantially, the Penal Code, with respect to limitation (in its mode backward, between receipt of the complaint and the date of the criminal fact), excising this kind of extinction punishment. And this is what brings real inconsistency with the Constitution, why is unconstitutional, leading real legal uncertainty him who commits an offense.


KEYWORDS: prescription; Constitution; exhaustive list; unconstitutional.

INTRODUÇAO.

Cabe, em princípio, ao legislador ordinário a tarefa de elaborar leis infraconstitucionais pertinentes à prescrição, quer na esfera cível quanto na penal. No entanto, essa tarefa, com o advento da Carta Constitucional que vige em nosso País, recebeu tratamento diferenciado, atribuído, única e exclusivamente, à Assembléia Nacional Constituinte, quando se trate de crime objeto desta análise.

No que pertine ao racismo e à ação atentatória de grupos, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito, em que se tem o primeiro deles duramente combatido em nosso país nos dias atuais, a inação estatal não bafeja o autor das referidas condutas com a extinção da punibilidade. Trata-se de cláusula pétrea, o que impede seja a regra da imprescritibilidade alterada pela via usual de emenda. Com isso está vedada a possibilidade de ser laureado com o benefício da prescrição aquele que comete crime de racismo.

O comando está sintonizado com princípios que se engastam no limiar da nossa Constituição, catalogados dentre os fundamentos do Estado Democrático de Direito: a cidadania ea dignidade da pessoa humana.

Demais disso, as relações internacionais da República Federativa do Brasil se esteiam em princípios catalogados no artigo da nossa Constituição, destacando-se para o momento o elencado no inciso VIII, qual seja, o repúdio ao terrorismo e ao racismo.

1. O instituto da prescrição. Prescrição penal.

O Código Penal em curso aponta, no artigo 107, inciso IV[1], como causa de extinção da punibilidade a prescrição.

O conceito de prescrição, tendo em vista sua atualidade, toma-se de Bento de Faria, segundo o qual

A prescriçãopenal consiste na extinção da responsabilidade por motivo do transcurso de certo tempo, em determinadas condições, sem que se promova a repressão do delito ou em que a pena seja executada.

É, portanto, a extinção do direito de processar o delinquente, ou de aplicar-lhe a pena judicialmente decretada, devido à sua inexecução durante certo lapso de tempo.[2]

Frisando o absenteísmo estatal assevera:

A inércia de quem deve punir como que extingue a consciência do delito. Esse, aliás, é o conceito generalizado.[3]

Diante dessa baliza, tem-se que a prescrição é a perda da pretensão do Estado de punir o transgressor de uma conduta penal e/ou de executar a sanção imposta, devido à sua inércia, dentro de um prazo legal. É causa que extingue a punibilidade do infrator, cujo Código Penal brasileiro prevê duas modalidades: uma relativa à prescrição da pretensão punitiva e a outra diz respeito à prescrição da pretensão executória, respectivamente, inerentes ao processo e julgamento e a outra à execução da pena imposta.

Para Celso Delamanto et al,

Prescrição penal é a perda do poder de punir do Estado, causada pelo decurso do tempo fixado em lei. Explica-se: enquanto a lei penal não é violada, o direito que o Estado tem de punir seus eventuais infratores é apenas abstrato. Quando, porém, há efetiva violação da lei penal (prática de crime ou contravenção), aquele direito, antes só abstrato, torna-se concreto. Com a violação, nasce a possibilidade de o Estado impor sanção ao infrator da lei penal, a qual só poderá ser efetivada após o trânsito em julgado da condenação, respeitadas as garantias ínsitas ao devido processo legal (nulla poena sine iudicio). Tal possibilidade jurídica é chamada punibilidade.[4]

O renomado autor Julio Fabbrini Mirabete, enfocando o tema, assevera que

A prescrição é a perda do direito de punir do Estado pelo decurso do tempo. Justifica-se o instituto pelo desaparecimento do interesse estatal na repressão do crime, em razão do tempo decorrido, que leva ao esquecimento do delito à superação do alarma social causado pela infração penal. Além disso, a sanção perde sua finalidade quando o infrator não reincide e se readapta à vida social.

Ocorrido o crime, nasce para o Estado a pretensão de punir o autor do fato criminoso. Essa pretensão deve, no entanto, ser exercida dentro de determinado lapso temporal que varia de acordo com a figura criminosa composta pelo legislador e segundo o critério do máximo cominado em abstrato da pena privativa de liberdade. Escoado esse prazo, que é submetido a interrupções e suspensões, ocorre a prescrição da pretensão punitiva, chamada impropriamente de prescrição da ação penal. Nessa hipótese, que ocorre sempre antes de transitar em julgado a sentença condenatória, são totalmente apagados todos os seus efeitos, tal como se jamais tivesse sido praticado o crime ou tivesse existido sentença condenatória.

Transitada em julgado a sentença condenatória para ambas as partes, surge o título penal a ser executado dentro de certo lapso de tempo, variável de acordo com a pena concretamente aplicada. Tal título perde sua força executória se não for exercitado pelos órgãos estatais o direito dele decorrente, verificando-se então a prescrição da pretensão executória, também denominada prescrição da pena, da condenação, ou da execução da pena.

[...]

Contrariando a doutrina, que prega a prescritibilidade em todos os ilícitos penais, a nova Constituição determina que são imprescritíveis a prática do racismo (art. 5º, XLII) e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV).[5]

2. A Constituição Federal e os crimes imprescritíveis.

Para Kelsen, o sistema jurídico é formado por um sistema vertical de validade de normas (Pirâmide de Kelsen), em cujo topo se encontra a Constituição Federal, e abaixo dela todas as normas infraconstitucionais, das quais só terão validade jurídica se estiverem em conformidade com a norma hierarquicamente superior a ela. Assim, nenhuma norma jurídica terá validade no ordenamento pátrio se não estiver em plena consonância com a Constituição Federal.

Por certo os autores da nossa Carta Constitucional de 1988, ao catalogarem o crime de discriminação racial como sendo imprescritível, além de seguirem o preceito instituído na Constituição da República Federal da Alemanha, como informa José Afonso da Silva[6], instituindo como direito fundamental a dignidade da pessoa humana, expurgaram a possibilidade de ser favorecido pela prescrição o autor de crime de racismo.

O racismo, fruto da teoria desenvolvida pelos partidários do hitlerismo, estabelecendo classes superior e inferior de raças, não poderia continuar a ser bafejado pelo perecimento do jus puniendi, como preconizou Cesare Beccaria, que teoricamente faz referência a esse crime e à força complacente da prescrição para com o autor do ilícito.

Diz o mestre italiano:

quando se trata desses crimes atrozes, cuja memória subsiste por muito tempo entre os homens, se os mesmos forem provados, não deve haver nenhuma prescrição em favor do criminoso que se subtrai ao castigo pela fuga [7]

Segundo a Constituição Federal, em seu artigo , incisos XLII e XLIV[8], são imprescritíveis, apenas, os crimes de racismo e as ações de grupos armados, civis ou militares, que atentarem contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, respectivamente.

Em relação ao primeiro dos incisos referidos, o mesmo trata do combate ao racismo, cuja legislação ordinária define os crimes resultantes de preconceitos de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, conforme dicção do artigo [9], da Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989, alterada pela Lei nº 9.459, de 15 de maio de 1997.

O outro inciso, o qual trata da proteção à ordem constitucional e ao Estado Democrático de Direito, reprimindo a ação de grupos armados, tem como intento impedir futuros golpes militares, mesmo sem definição, até o momento, do tipo penal imposto pelo texto constitucional.

Sabe-se que referido artigo faz parte do rol de direitos e garantias fundamentais do cidadão, o qual é imutável pelo atual ordenamento jurídico pátrio, pois compõe o que se chama de cláusula pétrea, conforme dicção do artigo 60, § 4º, inciso IV[10], da Carta Magna, que impede a alteração do texto constitucional por intermédio de Emenda Constitucional, e nem será objeto de deliberação a proposta tendente a aboli-la, salvo por nova Assembléia Nacional Constituinte.

Para Uadi Lammêgo Bulos,

O constituinte de 1988 expressou esta matéria de forma clara e objetiva.

Antes não era assim. Tanto a Constituição de 1967 (art. 150, § 1º) quanto a Emenda Constitucional n. 1/69 (art. 153, § 1º) aduziam, apenas, que o preconceito racial deveria ser punido pela lei. De resto, nas constituições passadas, o preceito vinha introduzido dentro (sic)da generalidade do próprio princípio da isonomia, sem qualquer disposição específica a seu respeito.

A partir de agora, a existência de conflitos raciais encontrou disposição rigorosa, pois a prática de racismo se converteu em delito inafiançável e imprescritível, sujeitando o autor à pena de reclusão, definida nos parâmetros da lei.[11]

O mesmo autor assevera, ainda, ao analisar o inciso LXIV do mesmo dispositivo, que

Observe-se que o dispositivo nada dispõe a respeito da legalidade ou ilegalidade dos grupos armados. Deixou tal aspecto implícito. Mencionou, unicamente, que ações atentatórias, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, praticadas por grupos civis ou militares, constituem delito inafiançável e imprescritível.[12]

Dessa maneira, e de forma específica, é a Constituição Federal quem determina quais os crimes imprescritíveis no nosso ordenamento jurídico, não cabendo ao legislador infraconstitucional determiná-los de forma direta, quanto mais de forma indireta ou reflexa.

Ao se referir aos citados incisos XLII e XLIV, do artigo , da Constituição Federal, José Francisco Cunha Ferraz Filho diz que

Por isso manda que a lei defina a discriminação sob esse fundamento como crime inafiançável (que não comporta livramento mediante pagamento de fiança) e imprescritível (que não se remite ou se perdoa pelo decurso do tempo).

[...]

O constituinte ainda é severo quando trata da ação de grupos armados, civis ou militares, contrários à ordem constitucional e ao Estado Democrático de Direito. Trata-a, desde logo, como crime inafiançável e imprescritível, restando à lei, pois, tipificá-la como crime e prescrever a respectiva pena, que há de ser, como nos casos anteriores, grave.[13]

3. A legislação infraconstitucional.

O prazo para se verificar a prescrição está previsto, com a alteração trazida pela Lei nº 12.234/10, no artigo 109 do Código Penal, in verbis:

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1odo art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

VI - em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano.

VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

Mirabete diz ainda que:

A punibilidade, porém, não é eterna, sendo delimitada no tempo: a lei fixa prazos, dentro dos quais o Estado pode exercer o direito de exigir a aplicação da pena (pretensão punitiva) ou o direito de executá-la (pretensão executória). Ultrapassados tais prazos, há a prescrição, que faz desaparecer a punibilidade, ou seja, extinguea punibilidadedo fato.[14]

O verdadeiro sentido da prescrição é conferir segurança jurídica ao cidadão, impondo ao Estado que se movimente, atue com presteza, de forma efetivamente correta, legal e eficiente na prestação da atividade jurisdicional, cujo decurso do tempo faz com que a pena perca sua finalidade retributiva, preventiva e ressocializadora. Nas palavras de Celso Delmanto et. al.,

O instituto da prescrição, outrossim, é fundamental em um Estado Democrático de Direito, por várias razões, dentre as quais: a. confere segurança jurídicaao cidadão, vedando seja ele perseguido criminalmente por tempo indeterminado; b. impõeao Estado que efetivamente se movimente em sua atividade jurisdicional, em prol da própria sociedade; c. com o decurso do tempo, a pena perde sua finalidade retributiva, preventiva e ressocializadora.[15]

Diz Guilherme de Souza Nucci que

Há várias teses fundamentando a existência da prescrição em diversos ordenamentos jurídicos, inclusive no nosso. Podemos enumerar as seguintes:

a) teoria do esquecimento: baseia-se no fato de que, após o decurso de certo tempo, que varia conforme a gravidade do delito, a lembrança do crime apaga-se da mente da sociedade, não mais existindo o temor causado pela sua prática, deixando, pois, de haver motivo para a punição;

b) teoria da expiração moral: funda-se na idéia de que, com o decurso do tempo, o criminoso sofre a expectativa de ser, a qualquer tempo, descoberto, processado e punido, o que já lhe serve de aflição, sendo desnecessária a aplicação da pena;

c) teoria da emenda do delinqüente: tem por base o fato de que o decurso do tempo traz, por si só, mudança de comportamento, presumindo-se a sua regeneração e demonstrando a desnecessidade da pena;

d) teoria da dispersão das provas: lastreia-se na idéia de que o decurso do tempo provoca a perda das provas, tornando quase impossível realizar um julgamento justo muito tempo depois da consumação do delito. Haveria maior possibilidade de ocorrência de erro judiciário;

e) teoria psicológica: funda-se na idéia de que, com o decurso do tempo, o criminoso altera o seu modo de ser e de pensar, tornando-se pessoa diversa daquela que cometeu a infração penal, motivando a não aplicação da pena. Em verdade, todas as teorias, em conjunto, explicam a razão da existência da prescrição, que não deixa de ser medida benéfica e positiva, diante da inércia do Estado em sua tarefa de investigação e apuração do crime.[16]

E outro não é o entendimento revelado por Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, que vão além, quando falam da questão da imprescritibilidade.

Todos os tipos de crime deveriam estar sujeitos à prescrição, sem qualquer consideração pela sua natureza ou pela sua gravidade. No entanto, este princípio vem sendo sufragado por todas as ordens jurídico-penais, e, ainda recentemente, tem-se assistido, em vários movimentos internacionais, a um redobrado esforço em favor da imprescritibilidade tanto no âmbito do direito penal como no do processo penal , quanto aos crimes atentatórios à paz e à humanidade, muito especialmente ao genocídio, e a outros, puníveis com a pena de morte e de prisão perpétua.

Não nos parece existir fundamentação suficiente para isso. Não existe na listagem penal crime que, por mais hediondo que se apresente ao sentimento jurídico e ao consenso da comunidade, possa merecer a imprescritibilidade, máxime se atentarmos que as expectativas comunitárias de reafirmação da validade da ordem jurídica não perduram indefinidamente. A indignação pública e o sentimento de insegurança que o crime gerou amortecem com o decorrer dos anos, do mesmo modo que se atenua a revolta e exigência de justiça dos ofendidos (Aníbal Bruno), e nem mesmo as exigências de prevenção especial podem perdurar para sempre. Isto não exclui a possibilidade de um juízo de reprovação e até mesmo de repugnância perdurarem, como ocorre, ainda hoje, com os odiosos crimes perpetrados pela Inquisição, pelos nazi-facistas e durante o stalinismo. Mas isso não se faz perfeitamente suficiente, sob qualquer angulação que se faça do fenômeno, que obrigue a punição. Esta, a punição, só poderia encontrar fundamentação na retribuição e no sentimento de vingança, que nos parecem incompatíveis com o direito penal moderno e com um Estado de Direito.[17]

Com a criminalidade crescendo em escala assustadora, o Estado não consegue dar resposta rápida ao reclamo social, sendo preferível tornar esses crimes como imprescritíveis (entre o recebimento da denúncia e o fato criminoso), o que lhe dá tempo suficiente para adotar a medida postergada, fruto da inação, incompetência ou complacência, sem que o infrator possa se beneficiar do instituto da prescrição, cujo caráter é de ordem pública, impondo ao julgador, quando não apontada pelo interessado ou pelo Ministério Público, decretá-la de ofício. Dessa forma, agirá quando de sua conveniência e oportunidade, esquecendo-se que poderá sofrer a consequência de uma das teses trazidas por Nucci, lançadas anteriormente.

Dessa maneira agiu o Estado ao editar a Lei nº 10.403/11, possibilitando ao preso possa responder ao processo em liberdade ou cumprir prisão domiciliar, com a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, pois tratou de tirar o preso de sua custódia, diminuindo, assim, o seu custo.

3.1. Os tipos de prescrição.

Sobre suas modalidades, a prescrição da pretensão punitiva do Estado se divide em: a) prescrição em abstrato (da pena máxima em abstrato), b) prescrição superveniente ou intercorrente, c) prescrição retroativa, d) prescrição executória e e) prescrição virtual, antecipada ou em perspectiva.

Na modalidade da prescrição em abstrato, leva-se em conta a pena máxima abstratamente cominada ao delito. Ocorre porque não se tem uma pena em concreto.

A prescrição superveniente ou intercorrente acontece após a prolação da sentença condenatória, com o trânsito em julgado para a acusação ou improvido seu recurso, cujo lapso para a contagem tem início com a publicação da sentença ou acórdão recorríveis.

Já a retroativa acontece antes da sentença condenatória, com o trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso.

E quando se fala em prescrição virtual, tem-se que sua ocorrência está atrelada a uma suposta pena a ser aplicada ao condenado, o que pressupões sua prescrição. Este tipo é rechaçado pelo ordenamento jurídico, já que não há previsão legal.

Antes da reforma do Código Penal, trazida pela Lei nº 12.234, de 05 de maio de 2010, o termo inicial da contagem do prazo da prescrição da pretensão punitiva do Estado ocorria a partir da data do fato criminoso. E assim era em decorrência do § 2º[18]do artigo 110 do CodexPenal.

Logo, antes da alteração legislativa de 2010, poder-se-ia aplicar, depois de uma sentença condenatória, sem que houvesse recurso da acusação ou fosse improvido seu recurso, a prescrição retroativa entre o recebimento da denúncia e o fato criminoso.

3.2. Termo inicial do prazo prescricional.

O Código Penal brasileiro versa em seu artigo 111[19]que a prescrição começa a correr do dia em que o delito se consumou. E no artigo 117[20]descreve as causas que interrompem o curso da prescrição, dentre elas o recebimento da denúncia ou da queixa, fazendo com que se reinicie a contagem do prazo. Tem-se, nesta situação, a prescrição retroativa entre o recebimento da denúncia e a data do fato.

4. A inconstitucionalidade da regra substantiva penal.

A Constituição Federal afirma em seu artigo , inciso II[21], que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de comando legal, o que traduz o princípio da legalidade. Isso significa dizer para o particular que ele poderá fazer tudo aquilo que a Lei não proíbe. Já a Administração Pública fará, tão- somente, o que a Carta Magna permitir.

No mesmo compasso, é clara ao afirmar que não há crime sem Lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, o que caracteriza o princípio da reserva legal, conforme dicção do artigo 5º, inciso XXXIX[22], sendo repetido o seu fundamento no artigo 1º[23]do Código Penal.

O princípio da legalidadepossui quatro importantíssimas funções garantidoras, quais sejam: 1) a Lei que cria o delito e sua respectiva pena deve ser anterior ao fato delituoso que se quer punir. E, também, não poderá retroagir para prejudicar o réu. Se tiver que retroagir será, única e exclusivamente, para beneficiá-lo, tal qual define o Princípio da irretroatividade da Lei penal ou Princípio da Anterioridade (nullum crimen nulla poena sine lege praevia); 2) a proibição de criação de delitos e penas pelos costumes, pois a Lei pena deve ser escrita (nullum crimen nulla poena sine lege scripta); 3) a proibição de se usar a analogia para criar tipos penais (nullum crimen nulla poena sine lege stricta), sendo vedada a analogia in mallam partem, possível, apenas, in bonan partem; e, por último, 4) a proibição de incriminações imprecisas, indeterminadas, vagas (nullum crimen nulla poena sine lege certa).

A nosso sentir é nesse ponto que está a patente inconstitucionalidade da referida alteração promovida no Código Penal. Senão, vejamos.

Ora, a Constituição Federal transborda clareza solar ao dizer que são imprescritíveis apenas a prática do racismo(art. 5º, XLII) ea ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional ou o Estado Democrático de Direito (art. 5º, XLIV), estabelecendo numerus clausus, impossibilitando a ampliação por via de lei ordinária, de forma expressa ou dissimuladamente.

Diz-se inconstitucional a lei infraconstitucional que está em desconformidade com os princípios e comandos insertos na Constituição Federal, afrontando o princípio da supremacia constitucional.

Ora, a Lei nº 12.234/10, em seu corpo prescreve que a prescrição não mais terá, em nenhuma hipótese, por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa, estabelecendo, por via oblíqua, um rol de crimes que passam, a partir de então, a ser imprescritíveis, pois poderá a acusação, no caso o Ministério Público, via denúncia, ajuizar a peça acusatória quando lhe seja conveniente.

Desse modo estamos diante de inconstitucionalidade por ação, haja vista a norma elencada contrariar o citado princípio da supremacia constitucional e a norma limitativa de crimes imprescritíveis.

Ilustremos com um exemplo, um caso hipotético, para mostrar o que ocorrerá a partir da mudança implantada no Código Penal.

Tomemos como base o crime de exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica (art. 282, CP), cuja pena é de detenção, de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos.

O delito foi cometido no dia 02 de março de 2011 e a denúncia só venha a ser oferecida em 30 do mês de março de 2015, oportunidade em que é nesse mesmo dia foi recebida pelo Magistrado.

Devidamente processado, admita-se, por hipótese, sobrevenha sentença condenatória, cuja pena é aplicada em seu mínimo legal, qual seja, 06 (seis) meses de detenção. Haverá recurso, apenas, da defesa. Aqui, tem-se que a condenação transitou livremente em julgado para a acusação (Ministério Público).

Nos moldes do artigo 110, § 1º, primeira parte[24], do Código Penal, com a alteração trazida pela Lei susomencionada, será a prescrição regulada pela pena aplicada. Até aqui, nenhuma novidade.

A substancial e inconstitucional alteração está na segunda parte da referida norma.

Na vigência da Lei anterior, ter-se-ia, sem sombra de dúvidas, a extinção da punibilidade desse réu, pela incidência dos efeitos da prescrição, na sua modalidade retroativa, nos moldes do artigo 109, inciso VI, do Código Substantivo, pois entre o recebimento da denúncia e o fato criminoso já se teria passado mais de 02 (dois) anos.

Com a alteração não mais há a possibilidade de prescrição retroativa (entre o recebimento da denúncia e a data do fato delituoso), pois não se pode ter por termo inicial data anterior à denúncia ou queixa, mesmo contrariando o que diz o artigo 11 do Código Penal. E, diga-se aqui, que a alteração legislativa não mais fala em recebimento daquelas, mas, somente, em seus ajuizamentos.

Conclui-se, então, que o legislador federal afrontou dispositivo constitucional ao ampliar de modo implícito o rol dos crimes imprescritíveis, trazendo verdadeira insegurança jurídica aos cidadãos, que poderão, diante da ineficácia do Estado, responder a processo criminal ao seu bel prazer, quando de sua conveniência.

A Constituição é hierarquicamente superior a qualquer norma, não sendo admissível ver-se alterada, de forma expressa ou implícita, por lei ordinária, em afronta a outro princípio derivado, o da compatibilidade vertical.

Esse princípio traduz o entendimento de que as normas de caráter inferior não terão eficácia se seu conteúdo for incompatível com mandamento encerrado no texto constitucional.

Relevante se tenha em mente a lição herdada de John Marshall, que se extrai de texto da lavra de José Afonso da Silva, em sua citada obra:

Ou a Constituição é uma lei superior, soberana, irreformável por meios comuns; ou se nivela com os atos de legislação usual, e, com estes, é reformável ao sabor da legislatura. (Marbury versus Madison, in Saul K. Padover, A Constituição..., cit.; Ruy Barbosa, A Constituição e os Atos Inconstitucionais do Congresso e do Executivo, 2ª ed., p. 46, apud).[25]

CONCLUSAO.

A matéria, sem que tenha inflamado a inteligência de tantos, incitou-me de tal modo que fui levado a provocar, por meio dessas reflexões aqui anotadas, o debate mais aprofundado da matéria, de modo a ratificar o entendimento esposado pelo gênio do chief-justice of the United States, John Marshall, bem lembrado pelo não menos brilhante e proficienteconstitucionalista Professor José Afonso da Silva.

Entendo que a lei ordinária ao tratar da prescrição extrapolou o limite estabelecido pela Lei Maior, mesmo que veladamente, de sorte que se amolda ao conceito de inconstitucional, sujeita a banimento do ordenamento jurídico pátrio.

BIBLIOGRAFIA

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SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição, Malheiros, São Paulo, 2005.

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas, Tradução de Paulo M. Oliveira.

[1]Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: IV - pela prescrição, decadência ou perempção;Código Penal Brasileiro Comentado, Record Editora, RJ, 2ª ed., v. III, 1959, p. 215.

[3]op. cit. p. 215.Código Penal Comentado, 6ª ed. atual. e ampl., Rio de Janeiro, Renovar, 2002, p. 215.

[5]Manual de Direito Penal, 23ª. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 424.

[6]Comentário Contextual à Constituição, Malheiros, SP, 2005, p. 37.

[7]Dos delitos e das penas, Tradução de Paulo M. Oliveira, p. 82.

[8]Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

[9]Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

[10]Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

[...]

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:IV - os direitos e garantias individuais.Constituição Federal Anotada: jurisprudência e legislação infraconstitucional em vigor. São Paulo. Saraiva. 2000. p. 209.

[12]op. cit., p. 214.Constituição Federal Interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Antônio Cláudio da Costa Machado (organizador); Anna Candida da Cunha Ferraz (coordenador). 2ª ed.. Barueri/SP. Manole. 2011. p. 34).

[14]op. cit., p. 215.

[15]op. cit., p. 215.

[16]Manual de Direito Penal: parte geral:parte especial, 2ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo, RT, 2006, pp. 550/551.

[17]Manual de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral. 6ª ed. rev. e atual. RT, São Paulo, 2006, p. 645.

[18]Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 1º - A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 2º - A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

[19]Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I - do dia em que o crime se consumou; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

[20]Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I - pelo recebimento da denúncia ou da queixa; II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

[23]Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

[24]§ 1oA prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo data anterior à da denúncia ou queixa. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

[25]Comentário Contextual à Constituição, Malheiros, SP, 2005, p. 538.

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Perfeito. Mas vou mais adiante. Defendo que o prazo entre o fato criminoso e o recebimento da denúncia deve ser computado tanto na fase de pretensão punitiva como na fase de pretensão executória, mesmo a despeito do instituto da interruptividade, em homenagem ao princípio da igualdade perante a lei (Art. 5.o, primeira parte, CF/88): "art. 5. Todos são iguais perante a lei ...." continuar lendo