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29 de Abril de 2024
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    As leis de Saulo Ramos

    Publicado por Enviadas Por Leitores
    há 15 anos
    José Maria da Costa¹ *

    Fazer leis é atribuição do Legislativo e, às vezes, do Executivo. O nosso homenageado, Saulo Ramos, foi Consultor-Geral da República e, depois, Ministro da Justiça durante o Governo do Presidente Sarney (1985-1990). Nessas funções, teve oportunidade de também legislar.

    Mas é preciso distinguir desde logo, porém, entre os que fazem leis como que levados pela inércia da função e os que pensam e estruturam mecanismos legais criativos, trazem soluções reais e geram efetivos resultados.

    Nesse último rol se inclui Saulo Ramos. Mesmo antes de integrar o Governo Federal, ele, que fora consultor da ABAP (Associação Brasileira de Agências de Propaganda) e da ABERT (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), acabou tendo papel decisivo para que o CONAR – Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária nascesse como um tribunal de ética de natureza privada, integrado e conduzido pelos próprios operadores publicitários, longe, assim, de qualquer participação do governo e sem os empecilhos próprios dos órgãos governamentais.

    Depois, viu que, em causas judiciais complicadas, se patenteava a ineficácia da defesa do Governo Federal. E isso porque tais causas ficavam a cargo do Ministério Público Federal, e não de advogados especializados. Então, já como Consultor-Geral da República, atuou fortemente junto à bancada de apoio ao Governo e conseguiu que fosse criada a AGU (Advocacia Geral da União) na Constituição Federal de 1988.

    Num outro momento, viu que a legislação então vigente previa a instituição do bem de família por escritura pública. Mas notou também que o brasileiro médio nem sabia da existência dessa possibilidade jurídica. E, quando ficava sabendo, ou já era tarde para a solução, ou os custos inviabilizavam sua regularização documental. Nesse quadro, por sua total influência, foi baixada uma medida provisória, que depois se tornou a Lei 8.009 /90. A tipificação do bem de família passou a ser automática pela própria lei, sem necessidade de sua instituição por documento específico: se o imóvel era residencial próprio do casal ou de entidade familiar, já era bem de família. Bastava a propriedade e que fosse residência. Adicionalmente, abrangiam-se na proteção as plantações, benfeitorias, equipamentos e móveis, desde que quitados.

    Num outro aspecto, viu Saulo Ramos que não tínhamos uma lei específica para licitações públicas e contratos administrativos. Para regrar as primeiras, buscava-se o socorro do Decreto-lei 200 , de 1967, que organizava genericamente a administração federal; para os segundos, o auxílio vinha do Código de Contabilidade da União, de 1928. Com o auxílio do grande administrativista Hely Lopes Meireles, em pouco tempo Saulo Ramos redigiu e fez editar o Decreto-lei 2.300 , de 1986, que passou a regrar, e com proficiência, as licitações e os contratos da administração federal.

    Mas não é só: a Constituição Federal de 1988 seria promulgada em 05.10.88, e o art. 15 de suas disposições transitórias extinguia o Território de Fernando de Noronha e o reincorporava ao Estado de Pernambuco. Ou seja: o arquipélago saía da proteção do governo federal e passava ao governo estadual. Já ferviam comentários sobre a especulação imobiliária, com o respectivo risco para sua fauna, flora e meio ambiente. Com a presteza que o momento exigia, Saulo Ramos, menos de um mês antes da promulgação da Constituição de 1988, redigiu e conseguiu que o Presidente Sarney assinasse o Decreto 96.693 , de 14.09.88, pelo qual se criava o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha. Protegia-se, assim, o ecossistema, preservava-se a fauna e a flora, e se mantinham os recursos naturais. E, desse modo, o arquipélago ficava a salvo dos riscos da exploração imobiliária.

    O espaço exige que se pare por aqui. Mas é preciso acrescentar que leis inteligentes como essas, criadas sob os auspícios de Saulo Ramos, há bem poucas tanto aqui como no exterior. Garimpando no direito pátrio, encontramos a Lei 8.245 , de 18.10.91, que limpou os fóruns e os tribunais dos processos de locação e devolveu o sistema locatício à regulamentação do mercado. Bastou, com um toque mágico, determinar que os recursos contra sentenças proferidas em ações dessa natureza tivessem apenas efeito devolutivo. Ou seja: passassem a ser executadas de imediato, sem esperar o julgamento do recurso pelo tribunal.

    No direito de outros países, pode-se citar uma lei que contribuiu decisivamente para despoluir o Rio Tâmisa, que atravessa Londres, na Inglaterra. Contrariando a milenar postura de recolher água rio acima, servir-se dela e devolvê-la sem cuidados rio abaixo, a nova lei obrigou a colher a água rio abaixo e devolvê-la rio acima. Como, pelo novo sistema, sempre se volta a usar parte da água anteriormente devolvida ao rio, o usuário passou a ter mais cuidado para devolvê-la mais limpa e despoluída.

    Com tudo isso, vê-se que, mais do que de leis, o mundo precisa de soluções legais criativas, que tragam reais soluções e propiciem resultados mais efetivos. É preciso ter mais leis como as de Saulo Ramos. Com elas e com a devida fiscalização, muito se pode fazer por um ordenamento jurídico mais adequado e mais efetivo. Pode-se fazer mais por um mundo melhor.



    *Mestre e Doutorando em Direito Civil pela PUC SP; Graduado em Direito, Letras e Pedagogia; Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas; Professor de Linguagem Forense na Universidade de São Paulo e na Escola Paulista de Magistratura; ex-Diretor da Associação dos Magistrados Brasileiro; Diretor do Instituto dos Magistrados do Brasil.
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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/as-leis-de-saulo-ramos/1356420

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    O mais humano dos juristas que conheci em oitenta anos de vida. Entretanto oportuniza-me mostrar a hipocrisia de nosso país. Recentemente foi noticiado o homicídio de um casal pelo locador de um imóvel em razão do inadimplemento de alguns meses de aluguel. Em seguida noticiou-se a condenação do homicida em dezenas de anos de prisão. Estava pacificada a sociedade com a vingança. Entretanto não é informada a população que, dois anos depois, de sancionada a Lei 8009 (excluindo o imóvel residencial de penhora) viu-se editada outra lei (8245/91) excluindo do benefício a fiança, levando ao desabrigo centenas de viúvas que praticaram tal favor em benefício de amigos. Creio, pois, que os administradores de imóveis não são homicidas, são genocidas. Aliás, permita-se a digressão. No país mais capitalista do planeta não é permitida a atividade econômica de administrador de imóveis, conhecendo pessoalmente, pessoas que residem há mais de trinta anos num imóvel sem reajuste e a sua manutenção é de responsabilidade do proprietário. continuar lendo