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19 de Abril de 2024
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    A criminalidade, direitos fundamentais e humanos

    Publicado por Enviadas Por Leitores
    há 13 anos

    Por Mário Ferreira Neto*

    Quando se cuida da concretização do jus puniendi do Estado em confronto com o jus libertatis do indivíduo, ganha importância à diretriz inserida no art. , inciso III, da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, a "dignidade da pessoa humana". Depois do seu reconhecimento como valor moral, foi atribuído valor jurídico à dignidade da pessoa humana, passando do âmbito da consciência coletiva para o âmbito jurídico. A dignidade da pessoa humana passou a ser entendida como um atributo imanente ao ser humano para o exercício da liberdade e de direitos como garantia de uma existência plena e saudável, razão pela qual passou a ter amparo como um objetivo e uma necessidade de toda humanidade, vinculando governos, instituições e indivíduos.

    No Direito, fica claro quando se observa a aplicação da lei penal desprovida de uma filtragem constitucional que resguarde a dignidade humana. O ser humano age quase sempre com base no emocional e muito pouco com base no racional. A prova disso é o mundo que construímos: injusto, repleto de excluídos, guerras e atrocidades, um planeta indiscutivelmente perigoso e inseguro, prestes a sucumbir, a qualquer hora, sob um gigantesco desequilíbrio ecológico e/ou guerra nuclear.

    Para que se possa iniciar um processo penal (devido processo legal) é indispensável que existam indícios suficientes de autoria e prova da materialidade do crime. A acusação tem a obrigatoriedade de produzir prova material contra o indivíduo delinqüente, em contraposição, ao acusado deve ser garantido o exercício da ampla defesa (contraditório), a qual poderá demonstrar a inocência.

    Alguns indicativos da participação do acusado no suposto delito, não são provas materiais suficientes para considerá-lo culpado. Os indícios devem ser robustecidos na instrução criminal, quando unívocos, para fornecer suporte a uma condenação. Os vestígios de um crime (crimes materiais) devem ser provados com o exame de corpo de delito. Empreende-se a prova da materialidade, por outros meios: confissão do acusado, depoimentos testemunhais, circunstâncias que rodeiam o fato, conclusões lógicas de peritos, fotografias, laudos diversos, exames de DNA, etc.

    A criminalidade deve ser combatida da maneira mais ampla possível, utilizando-se de todos os meios legais, respeitando, acima de tudo, os direitos e as garantias fundamentais do indivíduo.

    O princípio da dignidade da pessoa humana é a origem dos direitos humanos consagrados em nossa Constituição Federal de 1988. Desse modo, ele se reflete em todos os ramos do direito, mas pode-se dizer que de um modo especial está atrelado ao direito penal.

    O direito penal possui a função de descrever as condutas que são definidas como crime, além de prescrever penas para quem nelas incorrer. Ocorre que é necessário também frear o Estado em seu afã de punir, principalmente quando nos deparamos diante de uma situação que causa comoção social (clamor público).

    Ora, é por isso que tais assuntos são tratados na atual Constituição Federal como cláusulas pétreas. De tempos em tempos estamos diante de crimes que recebem grande destaque na mídia e produzem um estado de abalo em todas as camadas sociais. De modo geral, as pessoas ficam condoídas com as vítimas das barbáries criminais praticadas.

    Imaginemos então que nossa Constituição não tivesse elegido como cláusula pétrea os direitos fundamentais do ser humano. Diante de uma conjuntura que proporcionasse no meio social tamanho ressentimento, correríamos o risco de no calor dos acontecimentos criminais produzirem leis que atentassem contra a dignidade da pessoa humana como uma forma de conseguir, não justiça, mas vingança.

    Tendo como base o pensamento jus naturalista dos séculos XVII e XVIII, a concepção da dignidade da pessoa humana, passou por um processo de laicização e racionalização, mantendo-se, todavia, a noção fundamental da igualdade de todos os homens em dignidade e liberdade.

    De modo particular, KANT, concebia a dignidade como parte da autonomia ética do ser humano, afirmava que ele não poderia ser tratado, nem por ele próprio, como objeto:

    A autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas Leis, é um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo assim, o alicerce da dignidade humana.

    Para HEGEL, a dignidade é uma qualidade a ser conquistada, o ser humano não nasce digno, mas torna-se digno a partir do momento em que assume a sua condição de cidadão.Esta concepção de que dignidade necessita de reconhecimento, consubstancia-se com a máxima de que cada um deve ser pessoa e respeitar os outros, como pessoa e cidadão.

    Parte-se do pressuposto de que a dignidade possui uma voz ativa e passiva, ambas se encontram conectadas. Isso nos conduz a afirmar que o ser humano não poderá jamais ser tratado como coisa ou objeto, como também não pode ser mero instrumento para a realização dos fins alheios.

    É por isso que o princípio da dignidade pessoa humana repercute de modo profundo no direito penal. O fundamento constitucional da humanização do indivíduo delinqüente está centrado no art. , inciso III, da Constituição Federal de 1988: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Não é difícil entender as motivações do constituinte ao prescrever a vedação de tratamento desumano e cruel. Seria factível pensar, no atual estágio em que se encontram os direitos humanos, uma pena de trabalhos forçados em uma penitenciária? É certo que não. Isso feriria de modo flagrante a dignidade das pessoas que cumprissem uma pena criminal.

    A dignidade da pessoa humana possui duas dimensões que lhe são constitutivas: uma negativa e outra positiva. A negativa significa que a pessoa não venha ser objeto de ofensas ou humilhações. Daí o nosso texto constitucional dispor, coerentemente, que "ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante".

    Com efeito, "a dignidade pressupõe a autonomia vital da pessoa, a sua autodeterminação relativamente ao Estado, às demais entidades públicas e às outras pessoas" (MIRANDA, 1991, p. 168/169). Impõe-se, por conseguinte, a afirmação da integridade física e espiritual do homem como dimensão irrenunciável da sua individualidade autonomamente responsável; a garantia da identidade e integridade da pessoa através do livre desenvolvimento da personalidade; etc.

    Por sua vez, a dimensão positiva presume o pleno desenvolvimento de cada pessoa, que supõe, de um lado, o reconhecimento da total autodisponibilidade, sem interferências ou impedimentos externos, das possibilidades de atuação próprias de cada homem; de outro, a autodeterminação que surge da livre projeção histórica da razão humana, antes que uma predeterminação dada pela natureza.

    Viu-se que a proclamação do valor distinto da pessoa humana teve como conseqüência lógica a afirmação de direitos específicos de cada homem. A dignidade da pessoa humana é, por conseguinte, o núcleo essencial dos direitos fundamentais, a "fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais" (FARIAS, 1996, p.54), a “fonte ética, que confere unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais” (MIRANDA, 1991, p. 166/167).
    Existem basicamente três teorias que explicam as finalidades da pena. Na primeira traz em seu bojo a própria idéia de castigo, ou seja, se um indivíduo transgredir a lei penal é preciso que seja punido, servindo isso, como uma lição, para que não volte mais a delinqüir.

    Na segunda, encontra-se a finalidade de prevenção. Se uma pessoa comete um crime, é provável que represente perigo para a sociedade em que vive, torna-se necessário privar esse meio de um indivíduo que represente tal periclitação.

    Por último, entende-se que a pena objetiva recuperar o indivíduo condenado, reeducando-o de tal forma que esse possa retornar ao estado social e não tornar a infringir a lei, além de possuir estrutura psicológica e uma qualificação profissional que o torne capaz de produzir sua própria subsistência.

    É perfeitamente plausível e aceitável que os três pensamentos acerca da pena convivam e formem um sistema coeso. Uma pessoa ao violar a legislação penal deve ser punida e reeducada, ao mesmo tempo em que o meio social é privado de sua periculosidade enquanto esta perdure. É por isso que a sanção deve ser dosada usando a proporcionalidade: quanto mais grave o crime e o perigo representado pelo agente, maior deverá ser a pena.

    Entretanto, em nenhuma situação o indivíduo condenado poderá ser tratado com desumanidade e crueldade, também nenhum tipo de barbaridade é admitido em nosso ordenamento jurídico. O preso tem garantidos os seus direitos, cumpre analisar se estes têm sido respeitados, pois, embora não haja em nosso país a previsão de sanções desumanas ou cruéis, tais como os campos de concentração da Coréia do Norte, onde, segundo relatos, os presos trabalham de 12 a 15 horas-diárias. O sistema carcerário brasileiro atualmente apresenta falhas graves que submetem seus presos a situações que, sem dúvida, agridem sua dignidade.

    O primeiro problema que nos salta à vista é a superlotação nos presídios brasileiros. Uma CPI realizada no ano de 2008 sobre o sistema prisional brasileiro calculou que existem no país cerca de 440 mil presos, porém existem nos estabelecimentos vagas para apenas 260 mil. Há um déficit de 180 mil leitos (celas). Não é raro encontrar presídios onde 60 pessoas dividem uma mesma cela apropriada para no máximo 15 indivíduos.

    Bem se sabe que a realidade dos presídios e delegacias brasileiras, está longe do aceitável, mais longe ainda de alcançar a finalidade que lhes deveria ser atribuída.

    Diariamente, a mídia divulga situações de miséria a que são expostos os presos. Estas pessoas além de enfrentarem tripla punição, porque, primeiramente são punidos pelo Juiz-Estado [jus puniendi]; depois, dentro do presídio, sofrem agressões advindas dos pares ou dos agentes carcerários; finalmente, quando deixam à prisão, seja por cumprirem a pena ou conseguiram regime diferenciado de cumprimento de pena, são punidos pela sociedade.

    É justamente quando o preso deixa o presídio, estará ainda mais fragilizado, por sentir sobre sua cabeça o peso do preconceito, da discriminação, etc., mais uma vez a dignidade e o respeito, são esquecidos.

    As sábias palavras de Zaffaroni refletem bem o processo de “demonização” a que o egresso do sistema prisional é submetido:

    A negação jurídica da condição de pessoa ao inimigo (no caso, o condenado) é uma característica do tratamento penal diferenciado que lhe é dado, porém não é de sua essência, ou seja, é uma conseqüência da individualização de um ser humano como inimigo.

    No Brasil é facilmente visível a diferenciação entre o inimigo e o infrator; algumas pessoas cometem um ou vários crimes, por isso, mesmo sendo acusados, julgados e condenados, são apartados do seio social, são estereotipados e estigmatizados, deixam de ser considerado objeto de proteção do direito e da consciência de respeito ao próximo, este seria o inimigo.

    Existem presos com diferentes graus de periculosidade que permanecem em um mesmo ambiente, ou seja, cumprem suas penas na mesma cela com outros, isso significa dizer que o indivíduo condenado por um crime de latrocínio ou estupro [hediondo] pode estar junto de uma pessoa punida por furtar um relógio.

    O indivíduo delinqüente deve receber uma pena de acordo com suas condições pessoais e com a gravidade do delito que cometeu, considerando-se suas qualidades pessoais e periculosidade. A explicação se faz lógica e está ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana: não pode um indivíduo ter uma pena elevada por conta de outro delinqüente contumaz e perigoso, é necessário que respeite o fato dele não o ser. A pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado. Durante o cumprimento da pena deve-se respeitar a dignidade da pessoa humana.

    Problema grave enfrentado nos presídios nacionais é a insalubridade e a falta de cuidados profissionais para com os presos portadores de doenças. Têm estabelecimentos, onde simplesmente não existe qualquer tipo de higienização, facilitando assim a proliferação de doenças. É notório, também que muitos presos sofrem de moléstias, incluindo as sexualmente transmissíveis e não recebem tratamento condizente com seu estado clínico.

    A segurança ou falta desta, também é uma problemática visível nos estabelecimentos prisionais. Presos amotinados, portando todo o tipo de arma e até mesmo aparelhos celulares, colocam em risco a vida dos agentes penitenciários que lá trabalham e a de milhares de pessoas que por perto vivem e de modo indireto, representam um risco para toda a sociedade.

    Em novembro de 2007 veio à tona um caso chocante que escandalizou o país e tocou de forma profunda nesta problemática social: na cidade de Abaetetuba, Estado do Pará, uma adolescente de 15 anos de idade foi detida, depois de uma tentativa de furto. A polícia a encarcerou por 20 dias em uma cela com mais de 20 homens, onde a mesma sofreu abusos sexuais e psicológicos. Além de ser menor de idade, o que lhe dá direito a tratamento diferenciado de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, é inadmissível que homens e mulheres partilhem uma mesma cela.

    Entendemos que a recuperação de reclusos e detentos não pode ser tida como mera utopia. O que tem tornado esta tarefa difícil são as mazelas que atualmente observamos no sistema prisional do país. Não é oferecida a população carcerária, ao menos de forma maciça, meios destinados à educação, o que torna inviável a reinserção dessas pessoas na sociedade. Cursos, palestras, trabalho digno, atendimento médico e psicológico, estabelecimentos seguros e limpos seriam condições apropriadas para que um detento pudesse reinserir-se no meio social com qualificação profissional e estrutura emocional que lhe permitissem manter sua subsistência.

    Observa-se que, embora a legislação brasileira garanta os direitos dos presos e proíba a imposição de penas que causem sofrimento excessivo, a realidade da organização carcerária do país tem atentado contra o princípio da dignidade da pessoa humana.

    O atual sistema prisional é o que desejamos para nosso país? Estabelecimentos de reclusão e detenção que flagrantemente violam a dignidade dos estão custodiados? Certamente não. Não acreditamos, porém, que decretar a sua falência e seguir adiante ignorando esta mácula social seja o ideal. É necessária uma total reformulação, num esforço conjunto entre sociedade e governo para que o sistema carcerário brasileiro se apresente de modo seguro, eficaz e decente.

    Os métodos ilegais de investigação, por sua vez, não podem ser empregados no combate à criminalidade, devendo se tiver uma fiscalização rigorosa a quaisquer ofensas aos princípios fundamentais inseridos na Constituição Federal de 1988 e na Declaração dos Direitos Humanos.

    O advento da nossa Constituição consagrou o valor da dignidade da pessoa humana como princípio máximo e o elevou, de maneira inconteste, a uma categoria superlativa em nosso ordenamento, na qualidade de norma jurídica fundamental.

    Por outro lado, a criminalidade é um processo social indissociável das relações humanas. Onde houver sociedade haverá necessariamente crime. Essa criminalidade pode ocorrer de várias formas na sociedade (individual ou organizada). Seus motivos também são, os mais variados. O homem por ser um ser racional, pensante e adaptável às novas condições sociais, possui certas regras ou padrões de comportamentos indispensáveis para a convivência social. Não há como dissociar o homem do seu meio social. Todas as pessoas são diferentes na esfera privada, mas iguais na esfera pública. Essas diferenças causam os conflitos sociais.

    O direito é uma forma de controle social. Toda sociedade necessita de um direito que possa regulamentar as condutas sociais.

    Durante muito tempo, a “condenação” e a “execução” eram feitas na hora. Isso era comandado pelos que dominavam o Poder, por mais sumário e transitório que fosse. Assim, foi criada a pena de morte. Das mais diversas formas. No ano de 1215, os nobres ingleses impuseram ao Rei João Sem-Terra a “Magna Charta Libertatum”, que incluía como direito a garantia do Tribunal do Júri:

    Nenhum homem livre será preso ou despojado ou colocado fora da lei ou exilado, e não se lhe fará nenhum mal, a não ser em virtude de um julgamento legal dos seus pares ou em virtude da lei do país.

    Na antiguidade, o direito era exercido pela violência e crueldade das penas aplicadas [sociedades primitivas]. Assim, o mais forte subjugava o mais fraco pela violência nas lutas individuais ou nas guerras coletivas, tornando-o, às vezes, escravo. Era como se vê o mais forte quem dominava o mais fraco pela força.

    As espécies de penas em sua evolução histórica eram: penas de morte e corporais, banimento (exclusão do grupo social) [povos sem escrita]; penais cruéis (trabalhos forçados, chicotadas, abandono aos crocodilos, etc.) [primeiras civilizações da antiguidade – principalmente Egito]; penas de apedrejamento, queima do indivíduo vivo (fogueira), forca (dependurar em árvore), afogamento ou empalação, decapitação e mutilação, flagelação, excomunhão [Hebreus – lei de origem divina]; pena de talião, pena para o delito equivalente ao dano causado “olho por olho, dente por dente” (punição ao delinqüente, mesmo sofrimento causado pelo crime) [Mesopotâmia]; penas de morte: atirar aos cães ou queimar em cima de uma cama de ferro aquecido [Índia]; penas de morte, de empalação, de marcas a ferro em brasa, açoites, castração [China]; castigos, multas, feridas, mutilações, morte e exílio [Grécia]; penas severas e de morte (crucificação) [Roma]; penas de morte por enforcamento e esquartejamento (conspiração contra o rei), perdas de bens [Brasil Colônia]; penas corporais de reclusão, detenção, prisão simples e multas (regimes das penas: fechado, semi-aberto e aberto) [atualmente no Brasil].

    Viu-se que todos os tipos de castigos penais foram aplicados no transcurso da evolução da História do Direito Penal. Aplicava-se, no direito primitivo, o castigo divino, a vingança privada, a lei do talião, a composição e a vingança pública.

    O castigo divino exteriorizava-se por meio dos fenômenos naturais e decorriam da revolta da divindade. A vingança privada consubstanciava-se pela entrega do indivíduo delinqüente à vítima ou aos seus familiares para o cumprimento da pena, fazer-se justiça pelas próprias mãos. A lei de talião, por seu turno, correspondia uma pena proporcional ao mal cometido. Permitia-se, por intermédio da composição, a compra pelo delinqüente de sua liberdade. E, finalmente, na vingança pública, a pena era aplicada publicamente para servir de exemplo à sociedade – prevenção penal geral. A pena capital era executada através da guilhotina, da forca, do sepultamento da pessoa ainda com vida, do lançamento do delinqüente às feras, do arrastamento, do apedrejamento, da crucificação e, mais recentemente, da cadeira elétrica, da injeção letal e da câmara de gás. Além da pena capital, os delinqüentes tinham seus membros amputados (pênis, nariz, orelhas, mãos, língua, etc.).

    Também eram torturados, submetidos a garrote vil e marcados com ferro quente na testa. As prisões, por seu turno, eram perpétuas e os delinqüentes ficavam acorrentados pelos pés, mãos e pescoço. Os delinqüentes, no período antigo, equiparavam-se aos animais com a perda da paz. Essa pena, com o passar dos tempos, foi sendo superada e humanizada. Com a adoção dos ideais humanistas, filósofos, glosadores e pós-glosadores passaram a exigir que as penas tivessem ainda um caráter utilitário e preventivo e deveriam ser cumpridas em estabelecimentos adequados, limpos, arejados e dignos. O homem à semelhança de Deus deve ter os mesmos direitos que um cidadão livre; deve ainda ter as mesmas oportunidades ao retornar à sociedade, ressocializado, depois de cumprir sua pena; deve, por fim, ter todas às garantias concedidas aos homens livres, ou seja, as garantias dos direitos humanos.

    A criminalidade não se deve combater com a violência, mas com inteligência. É necessário encontrar mecanismos eficientes para, gradativamente, ir eliminando ou minando essa criminalidade do meio social. A prevenção é o meio mais importante para eliminar a criminalidade.

    A punição da criminalidade deve servir de exemplo à sociedade, demonstrando que o Estado está presente para tomar as medidas adequadas contra a criminalidade. O Estado deverá exercer suas funções em dois momentos distintos. No primeiro, preventivamente, com o policiamento ostensivo e repressivamente; no segundo, com a atuação eficiente da polícia judiciária.

    O combate à criminalidade não se restringe no afastamento do indivíduo delinqüente do convívio social, pura e simplesmente. O Estado deve aplicar-lhe uma sanção e, ao mesmo tempo, educá-lo ou reeducá-lo para o retorno ao convívio social (ressocialização), dando-lhe as oportunidades necessárias para tal finalidade. Deve-se educá-lo ou reeducá-lo com base nos princípios inerentes à sua dignidade como pessoa humana.

    Ressalte-se, por outro lado, que os direitos humanos não se aplicam somente aos indivíduos delinqüentes. Os direitos humanos são garantias do cidadão. Também é cidadão aquele que, eventualmente, comete crime. Direitos humanos não são direitos dos indivíduos delinqüentes, mas de todas as pessoas [todos nós]. Trata-se de uma garantia do cidadão que deve ser preservada. Sua dignidade deve ser preservada por maior que seja o seu crime. Não há dúvidas que o indivíduo envolvido em algum crime deve ser punido, mas tal punição deve ser necessária e eficaz em observância aos princípios constitucionais. Assim, crime sem pena: é ineficaz. Pena sem crime: é abuso. O objetivo do Estado é punir o delinqüente. Deve-se aplicar uma pena condizente com o crime praticado. A pena tem uma finalidade educativa e não punitiva.

    A criminalidade, como se vê, deve ser combatida com critérios racionais e dentro dos limites permitidos por lei, respeitando-se aos direitos e garantias especificadas na Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os direitos humanos, por sua vez, devem ser colocados como parâmetros dessa repressão à criminalidade, aplicando-os as vítimas, aos delinqüentes e aos cidadãos e, principalmente, aos familiares daquelas. Não se deve institucionalizar a ilegalidade investigatória exercida pelo Estado a pretexto de combate à criminalidade, pois no fundo a ilegalidade (crime) é a mesma.

    Modernamente o Direito Penal tem se detido principalmente sobre alguns temas de fundamental relevância para o seu sistema atual, como a proteção dos bens jurídicos, os direitos humanos, a evolução do conceito de ação e conduta, prevenção geral positiva e negativa da pena, a teoria da imputação objetiva, sem falar no simbolismo que hoje lhe é outorgado colidindo com os movimentos que propugnam a sua abolição.

    Contudo, caracterizada está a falência da intervenção estatal nas relações sociais no que toca a aplicação da pena, já que a pena de prisão é incapaz de reinserir o condenado na sociedade.

    Concluímos que o Direito Penal é coativo, cuja principal sanção é a pena privativa de liberdade, que atinge diretamente a liberdade do ser humano, há que se existir o debate a respeito dos rumos a serem traçados para os fins do Direito Penal, pois é necessário traçar diretrizes básicas que delimitem e regulem o alcance das normas penais, não simplesmente abolindo a pena, mas evitando-se, destarte, a constante ameaça a liberdade.

    O Estado tem o dever de criar condições que permitam a educação e a ressocialização do preso. É como o Desembargador Celso Limongi bem salienta, “O Estado não pode descer ao mesmo nível dos criminosos”. É pouco provável que medidas de repressão e controle sejam mais eficazes do que uma política séria em educação, em bases de formação da sociedade.

    É necessário que a sociedade conscientize-se que o problema da criminalidade no Brasil somente será resolvido quando ocorrerem investimentos em bases educacionais. Quando o indivíduo infelizmente já tiver sido vítima da influencia do mundo do crime, que sua recuperação seja possível, que a ele sejam proporcionadas chances de refazer sua vida de forma digna.

    Ao contrário do que se vivencia a dignidade do homem e os direitos humanos não são contrapontos do sistema penal. É um equívoco colocar, como se tem feito o paradigma humanitário como inimigo da persecução punitiva, já que essa função do Estado pode se realizar plenamente e alcançar sua finalidade, sem ofensa aos valores jurídico-políticos, que na realidade são sua base.

    Deve-se investir na humanização, na melhora do sistema prisional e na ressocialização do preso como exigência do Estado de Direito, mesmo porque, não se justifica que ao cumprimento da pena, seja acrescentado um sofrimento, não previsto em lei, a degradação do ser humano.

    Mesmo nestes tempos críticos, de aumento desenfreado da violência e da criminalidade, inexiste qualquer justificativa à afronta dos ideais democráticos e humanitários, cuja preservação é sempre imperativa. Essa preservação não impede nem a realização da prevenção geral positiva nem o combate ostensivo ao crime.

    Os garantidores do sistema penal não podem, portanto, em face de violações ou de ameaças de lesão aos direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos, manter a indiferença ou admitir passivamente que legislações infraconstitucionais e/ou as práticas jurídicas avancem sobre esses bens sem qualquer levante/resistência constitucional, sob pena de se conceber um sistema ilegítimo.

    Percebe-se que desde o início da existência do mundo a criminalidade tem sido um problema social de política pública gravoso, pois os indivíduos têm praticado crimes, mesmo os delitos de menor potencial ofensivo.

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    SARLET, Ingo Wolfrang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, 3ª edição. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2004.

    BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira, 6ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

    CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. O processo penal em face da Constituição: princípios constitucionais do processo penal, 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

    SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da Democracia. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, nº 212, p. 89/94, abr-jun 1998.

    ZAFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: A perda de legitimidade do sistema penal. Trad. Vânia Romano Pedrosa e Almir Lopez da Conceição. 5ª edição. Rio de Janeiro: Revan, 2001.

    KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Madri: Tecnos, 1989.

    HEGEL, G. Lições Sobre a Filosofia da História Universal. Madri, Filosofia do Direito. México, 1985.

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