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A proteção de direitos trabalhistas por meio do processo de contratação pública
Publicado por Enviadas Por Leitores
há 13 anos
Por Fábio Tokars*
Curiosamente, a tendência do legislador não é a de simplificar o procedimento licitatório, dispensando a apresentação desta declaração. Ao contrário, tudo indica que ocorrerá uma extensão desta prática de garantia transversa de direitos trabalhistas
Até a edição da Lei 9.854/99, a habilitação na contratação pública envolvia apenas aspectos técnicos e econômicos, todos relativos à capacidade de cumprimento das obrigações contratuais. Esta lei incluiu a obrigatoriedade de os licitantes comprovarem o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7.º da Constituição Federal.
Esta norma constitucional restringe a contratação de menores, ao incluir, entre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, a “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.”
Há quem entenda ser inconstitucional a exigência (lembrando que a exigência está na Lei de Licitações, não na Constituição). Alega-se que não há vinculação lógica entre os interesses públicos envolvidos na habilitação e a proteção, ainda que indireta, deste preceito constitucional. De fato, não há. Mas a tese da inconstitucionalidade não foi acolhida pela jurisprudência.
Trata-se de uma exigência que vai pouco além da retórica. Afinal, a comprovação se faz por declaração do próprio licitante, e não por meio de algum cadastro de que constem os empresários que houvessem violado o preceito constitucional.
A suficiência de uma simples declaração para a demonstração de cumprimento desta exigência está previsto no art. 1.º do Decreto Federal 4.358/02. Aliás, o decreto contém os modelos desta declaração. Convenhamos, contudo, que se alguém burla materialmente a norma constitucional, é pouco provável que sua consciência (certamente falha em termos de referenciais éticos) o leve a não assinar a declaração, deixando de participar de licitação pública. Ou seja: a exigência é inócua. A declaração transformou-se em um papel assinado pelo licitante. Um papel que não pode ser esquecido, e cujo conteúdo material é quase totalmente ignorado. Daí porque haver a defesa doutrinária de que o edital poderia dispensar a apresentação do documento.
No final das contas, a regra constitucional no sentido da restrição ao trabalho de menores é louvável, mas não guarda relação lógica com a licitação. Não é a vedação da Lei de Licitações que garantirá o cumprimento da norma constitucional.
Mas, curiosamente, a tendência do legislador não é a de simplificar o procedimento licitatório, dispensando a apresentação desta declaração. Ao contrário, tudo indica que ocorrerá uma extensão desta prática de garantia transversa de direitos trabalhistas.
O Projeto de Lei do Senado n.º 80/2009 prevê que a fase de habilitação contemple uma sexta área: a comprovação de que não há registros de condenação por prática de coação moral contra seus empregados nos últimos cinco anos.
Diferentemente do que ocorre no caso do inciso V do art. 27, para possibilitar a verificação mais efetiva desta condição o projeto prevê a criação de um Cadastro Nacional de Proteção contra a Coação Moral no Emprego. Aqui, não bastará a apresentação de uma declaração, o que representa um risco bem mais elevado aos empresários (principalmente porque é cada vez mais comum a alegação de prática de coação moral em relações trabalhistas, nem sempre com a esperada consistência).
Não acredito que a efetividade deste e de outros direitos deva ser buscada por meio de restrições no processo de licitação. Até porque há muitíssimos outros direitos individuais dos trabalhadores que merecem proteção. E assim, para que houvesse coerência na estratégia legislativa, a habilitação deveria ter uma duas dúzias de áreas, com pouquíssimas delas tendo alguma relação com a finalidade essencial da habilitação, que é a aferição da capacidade de cumprimento das obrigações contratuais.
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