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26 de Abril de 2024
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    Análise constitucional da lei complementar 135/2010

    Publicado por Enviadas Por Leitores
    há 13 anos
    Por Flávio Lúcio Fernandes de Oliveira Filho* e
    Demétrius de Almeida Leão**

    No dia 04 de junho de 2010 -ano das eleições, foi aprovada pelas duas casas do Congresso Nacional a Lei Complementar nº 135/10 "Ficha Limpa", lei esta que alterou as causas de inelegibilidades antes positivadas na Lei Complementar nº 64/90.

    A Lei Complementar 135/2010, teve sua origem a partir de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, apresentado ao Congresso Nacional, amparado pela norma constitucional do Art. 61, § 2º da CF/88 -teve participação maciça da população, com mais de 1,3 milhões de assinaturas que foram colhidas por meio de um abaixo assinado que circulou nos 26 Estados e no Distrito Federal.

    A fundamentação a partir da qual foi criado o referido projeto foi à norma constitucional insculpida no art. 14, § 9º da CF/88, que possibilita que Lei Complementar possa estabelecer casos de inelegibilidade com vistas a proteger a probidade das eleições em relação ao abuso da máquina administrativa e o poder econômico, tudo com vistas à lisura do pleito.

    O projeto de lei foi iniciado com a clara tentativa de trazer para o cenário político nacional mais moralidade, probidade, eficiência e, acima de tudo, respeito à coisa pública, tendo em vista que a sociedade não agüentava mais ver sucessivos escândalos envolvendo políticos que exerciam funções públicas, seja no legislativo, seja no executivo.

    No dia 05 de maio de 2010 o projeto de lei foi aprovado pela Câmara Federal, sendo posteriormente aprovado pelo Senado Federal no dia 19 de maio de 2010 por maioria absoluta, em ambas as casas, transformando-se em nova Lei Complementar 135/2010, denominada de "Lei da Ficha Limpa" depois de sancionada no dia 04 de junho de 2010 pela Presidência da República.

    Por esse motivo, e com fundamento na nova legislação, vários candidatos foram barrados por estarem inseridos nas novas causas de inelegibilidades introduzidas pela LC 135/2010, antes positivada na LC 64/90, os quais ajuizaram ações perante a Justiça Eleitoral para conseguirem seus direitos de poderem se candidatar, alegando que a aplicação imediata seria inconstitucional, tendo em vista a sua contrariedade ao Princípio da Anterioridade Eleitoral, Irretroatividade das Leis, Segurança Jurídica e a Presunção de Inocência o que não poderia valer para aquelas eleições.

    Para aqueles que defendiam a aplicação imediata da Lei Complementar 135/2010 para o pleito eleitoral de 2010, alegaram entre outros motivos, que não haveria perturbação ao processo eleitoral tendo em vista a sua necessidade perante o clamor da sociedade e que a nova Lei Complementar 135/2010 estava amparada constitucionalmente no Art. 14, § 9º e 61, § 2º da CF/88 e que só seria aplicável às regras de inscrição dos registros de candidatura, não se tratando, portanto, de alteração no processo eleitoral.

    A Lei Complementar 135/2010 e sua aplicabilidade em face dos Princípios Constitucionais do Estado Democrático de Direito

    No que concerne à compatibilidade da Lei Complementar em comento, realizou-se amplo estudo em relação à compatibilidade da mesma com os princípios trazidos pela Constituição Federal e o respeito às bases do Estado Democrático de Direito, dos princípios da Irretroatividade das leis e da Segurança Jurídica, como também, o da Anualidade Eleitoral.

    Pôde ser verificado também, pela visão da doutrina minoritária eleitoral e, em especial, pelo entendimento formado pelo Egrégio Plenário do Tribunal Superior Eleitoral sobre a natureza jurídica da nova Legislação Eleitoral 135/2010 a qual foi apreciada, num primeiro momento em forma de consulta, tendo tal tribunal firmado sua posição no sentido de que sua aplicabilidade se deu dentro dos parâmetros constitucionais -Art. 14, § 9º e 61, § 2º da CF/88, não tendo ferido nenhum princípio constitucional citados alhures.

    Assim, num primeiro momento, consignou-se o posicionamento de que os princípios da Anualidade Eleitoral, Irretroatividade das Leis e Segurança Jurídica não foram agredidos. Restou também firmada a posição de que a nova legislação eleitoral não houvera prejudicado processo eleitoral, tendo em vista que a LC 135/2010 foi firmada antes mesmo de o processo eleitoral ter se iniciado e que sua natureza jurídica não teria caráter sancionatório.

    Sobre a eficácia da nova Lei Complementar 135/2010 perante o entendimento do Supremo Tribunal Federal, foram citados dois julgamentos (leading cases), nos quais os Ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram nos julgamentos dos RE 630147/DF e RE 631102/PA referentes aos casos de Joaquim Roriz e Jader Barbalho, que na época renunciaram seus mandatos de Senadores da República, o primeiro em 2007 e o segundo em 2001, para escaparem de um processo por quebra de decoro parlamentar.

    Os ministros Carlos Ayres Britto e Joaquim Barbosa, ambos os relatores dos recursos extraordinários em comento, votaram no sentido de que a Lei Complementar 135/2010 deveria ser aplicada aos casos em exame, por eles terem incidido na alínea k do inciso I do Art. 1º da mencionada lei.

    Nesses julgamentos, o presidente Cezar Peluso interrompeu o processo para questionar um fato que não foi suscitado, a possível inconstitucionalidade formal da lei, causando surpresa nos outros Ministros, mas ficando vencido e sem obter êxito na questão suscitada. Vale observar, à quisa de conclusão, que tal fato (a inconstitucionalidade formal da LC 135/2010) ainda poderá, possivelmente ser questionada perante o próprio STF.

    Ao chegar ao resultado final da votação nos dois recursos extraordinarios supracitados, ficaram empatados os votos colhidos pelos Ministros, tendo cinco ministros votando a favor e cinco contra a aplicação da legislação ao pleito de 2010. Por esse motivo do impasse sobre a aplicabilidade da Lei Complementar 135/2010, a maioria dos ministros entendeu que deveria ser aplicável aos casos, a decisão tomada pelo Tribunal Superior Eleitoral.
    No entanto, a validade da Lei Complementar 135/2010 nas eleições de 2010 foi derrubada por 6 votos a 5 pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o RE 633703/MG, interposto por Leonídio Correa Bouças, o qual teve seu registro indeferido por ter sido enquadrado nas novas causas de inelegibilidades da alínea l do inciso I do Art. da LC 135/2010. O voto que veio fazer a diferença aos demais foi do novo ministro Luiz Fux, pois havia chegado à Corte há um mês, após a aposentadoria do Ministro Eros Grau, o qual em seu voto decidiu pela invalidade da lei.

    A decisão da não aplicação da lei beneficiou diretamente vários candidatos cujas elegibilidades haviam sido barradas por causa de processos na Justiça, como o ex-governador Cássio Cunha Lima, Jader Barbalho, João Capiberibe. Porém, apos o voto do Ministro mais novo na Casa Máxima da justiça brasileira, a Lei da Ficha Limpa em hipoteses atuais passa a valer apenas a partir das eleições municipais de 2012, e será de fato aplicada apenas se passar em uma nova votação para decidir sobre sua constitucionalidade.

    Considerações Finais

    Diante do que foi exposto ao longo do trabalho monográfico, concluimos no sentido de reconhecer a importância que a nova Lei Complementar 135/2010 trouxe para a política nacional, mostrando os primeiros passos no que diz respeito à tão sonhada e pleiteada "Reforma Política" pelos cidadãos brasileiros.

    Contudo, repudiamos a forma como foi aplicada a nova Lei Complementar 135/2010 nas eleições de 2010, pois de forma agressiva e sem medir os prejuizos juridicos que seriam impostos tanto para a sociedade, na pessoa do eleitor, e para com as Instituições Partidarias, na pessoa do candidato, infringiu de forma duplamente os princípios constitucionais regedores do Estado Democrático de Direito, em especial, aos Princípios da Irretroatividade das Leis, da Seugurança Juridica (Art. , XXXVI da CF/88) e da Anualidade Eleitoral positivado (Art. 16 da CF/88).

    No mesmo sentido, entendemos que a nova Legislação Eleitoral 135/2010, na sua natureza jurídica, configura-se como norma de caráter sancionatória, pois está claro e explícito nas alíneas do inciso I do Art. 1ª, as sanções previstas a serem incididas em atos praticados por agentes públicos.

    Com a devida venia ao entendimento formado pelo Tribunal Superior Eleitoral (somente corrigido ao depois pelo STF), em dar eficacia juridica imediata a Lei Complementar 135/2010 para as eleições de 2010 sem ter a menor observância aos Princípios Constitucionais, principalmente, ao Princípio base do Direito Eleitoral que é o da Anualidade Eleitoral elencado no Art. 16 da CF/88, foi negligente ao dar asas à sociedade e principalmente ao Poder Legislativo.

    Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter decidido por maioria de votos no último recurso extraordinário analisado perante aquela Corte, já vinhamos defendendo a inconstitucionalidade no que tange ao caráter material e formal, como também, a sua aplicação diante um pleito eleitoral que já tinha iniciado. Não se pode deixar de registrar o grande desserviço que prestou o STF ao passar mais de seis meses com uma matéria (relevante a não mais poder) pendente de julgamento.

    Impende também analisar que o Tribunal Superior Eleitoral e o próprio Supremo Tribunal Federal acabaram por tergiversar (e talvez aí esteja o grande foco da questão) sobre o que vem a ser exatamente a expressão "processo eleitoral". De fato, para os que entendem que o estabelecimento de critérios (ou filtros) para que políticos possam ser candidatos faz parte do processo eleitoral, teríamos que, definitivamente, a LC 135/2010 objeto da presente monografia é, definitivamente, inconstitucional.

    Por outro lado, para os que entendem que o estabelecimento de tais critérios não é "processo eleitoral", não haveria necessidade de cumprimento dos princípios estabelecidos para as eleições no Brasil, sobretudo o da anualidade eleitoral.

    Resta pensar é que, talvez fosse melhor que tais variações de interpretação sobre o conceito de "processo eleitoral" fosse uniformizada, no sentido de que toda lei que tratasse (direta ou tangencialmente) de processo eleitoral, tivesse que respeitar o princípio da anualidade eleitoral, pois que, mesmo indiretamente, é inegável que criar novas possibilidades de "barrar" políticos em virtude de atos de improbidade administrativa, abuso do poder econômico ou qualquer outro critério que tenha relação com os seus antecedentes (políticos ou criminais), acaba por interferir na vida política dos próprios políticos, dos partidos políticos e do próprio eleitor, que, nesse caso, ficou mais de seis meses sem saber exatamente se o voto que havia depositado na urna iria valer.

    Por fim, e talvez à margem de todas essas discussões que permeiam o tema e que tem relação direta com a necessidade premente de que aconteça uma séria reforma política no país, parece-nos que as vedações criadas pela lei que visam impedir que seja burlado o processo eleitoral vão na contramão de alguns princípios que são importantíssimos para os pleitos eleitorais em qualquer país.

    Impedir que políticos corruptos continuem indefinidamente a participar dos pleitos (num neo-coronelismo), praticamente impedir que o ato do voto seja fraudado (pelo investimento maciço em tecnologias de segurança pela justiça eleitoral) e permitir-se indefinidamente as regulamentações que carecem de lastro constitucional feitas pelo TSE e que tolhem (eleição após eleição) a competência do legislativo, são discussões importantes, e precisam ser levadas à cabo. Mas não como principal preocupação.

    Todos esses tipos de prática parecem fazer esmorecer o que de mais importante há num processo eleitoral em um país democrático: a verdade eleitoral, o prazer de participação ativa da sociedade num espírito verdadeiramente republicano, a escolha livre de um sufrágio universal que há muito tem se perdido em virtude do vilipêndio à educação do povo que continua sendo tratado com desrespeito a direitos mínimos, que se lhe fossem assegurados permitiriam, muito mais do que uma lei que proíba corruptos de serem candidatos, ter a firme e livre escolha de, ainda que não houvesse nenhum tipo de proibição, escolher políticos que seriam melhores para o país.
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